sábado, 8 de fevereiro de 2014

Copa, empregados em aeroportos, Emicida e MC Guime.

João de Carvalho
Bom dia.
Logo mais eu entro em sala para dar aula.


Esta experiencia recente que estou tendo - a da professor universitário - fez terreno fértil para que eu me emocionasse ao ler a crônica "O empregado tem carro e anda de avião. Estudei pra quê?". 

"Com raras e honrosas exceções, o ensino superior no Brasil cumpre uma função social invisível: garantir um selo de distinção.".  Matheus Pichonelli

Ao acabar a leitura deste texto, escutei ecoar em mim o refrão: "Nóiz sempre vai ser Guetto!".


"Nóis quer carrão e mansão, né? Por que não?
Tá bem patrão de avião, né? Por que não?
Quer opção, quer salmão, né? Por que não?
Ser feliz, jão, diz aí, por que não?"
Emicida

A maneira como o berimbau é fragmentado eletronicamente, associado à "voz androide" de MC Guime pronunciando a palavra "guetto" é, por um processo de significação metafórica, a aproximação da força da capoeira com a do funk ostentação. Aos poucos, os outros elementos musicais que emergem em nossa escuta lidaram sempre com uma mistura refinada de timbres e referências culturais (existe um virtuosismo impressionante na construção da textura da canção, os ritmos e timbres se sobrepõem sonoramente e conceitualmente). 

E tem o flow - este novo elemento de composição musical - do Emicida, que está cada vez mais elaborado. Mas essa questão do flow é assunto pra outra hora...

Dessa relação do Emicida com o MC Guime saiu a parceria de "País do Futebol". 


Não é a primeira vez que o rap nacional faz "parceria" com a Nike (existem mais marcas presentes nesse clipe). O próprio Mano Brown fez parceria com Jorge Ben em uma produção para a referida empresa, e com a grana reformou a Blue House (sua casa/estúdio no Capão Redondo). Neymar também já havia participado de outro clipe com Emicida (Zica, vai lá).

"No flow
Por onde a gente passa é show, fechou
E olha onde a gente chegou
Eu sou país do futebol, negô
Até gringo sambou
Tocou Neymar é gol"
MC Guime

Até mesmo o comercial da Nike do ano passado, com a vinheta do Emicida, é uma super produção se formos pensar em jingles. Apesar de ter apoiado um evento corrompido como a Copa, e que isso não pareça pouca coisa, Emicida constrói um texto coerente com seu pensamento de valorização da auto-estima da população da periferia. Isso, quando pensamos em "rolezinhos" e derivados, alimenta simbolicamente grande parte da população das periferias dos grandes centros urbanos. Seria, inclusive, o caso de perguntar quais canções esta professora universitária consome. Sertanejo Universitário nas baladas e "música clássica" nos casamentos, talvez? ... O que será? Certamente não é funk ostentação.

Menos problemático esteticamente, mas ainda outro passo discutível dessa aproximação do Emicida com o futebol, foi a participação do artista no sorteio da Copa.


O texto do Emicida - principalmente da primeira parte -  é completamente dissonante com toda a estrutura do evento. É risivel (de nervoso) a apatia da platéia ao final da performance, que acaba esfuziante e é recebida com parcas palmas.

Nesse diálogo todo, rap, funk e futebol, as mensagens foram dadas. Agora, como será que a população (principalmente jovens, nossos alunos da Educação Básica) estão decodificando estas mensagens? 

E aí, educadores musicais, "bora pro bang"?

4 comentários:

  1. Cara, sinceramente, sem desmerecer o trabalho de ambos artistas, mas acho que a parceria entre Emicida e Mc Guime é algo meramente lucrativo... acho que estão juntos apenas para representar uma analogia de união entre RJ e SP, e é meio que errado limitar a cultura de todo país somente a estes dois estados, pq o que vemos na música é a representação de um cotidiano paulista e carioca, e que de forma contraditória é chamada de "PAÍS do futebol"... Além disso, outro fato que achei meio contraditório é que em nenhuma das duas músicas tanto "Guetto" quanto "País do Futebol" aparecem mulheres, o auge do movimento feminista acontece atualmente e acho que a presença feminina é muito importante para nosso país, prova disso é a presença da Alcione no sorteio da Copa, representando toda cultura negra e feminina.

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    1. Ôpa Junior, que bom que vc se manifestou aqui! Fico feliz. Não concordo com você no que diz respeito a parceria ser "meramente lucrativa", acho que existe uma intenção e uma afinidade do discurso sim. E, por mais contraditório que possa ser essa relação com o consumo que o funk ostentação prega - eu acho genial a postura do Dexter quanto a isso - isso já foi pautado pelos próprios Racionais em, por exemplo, Vida Loka II. Logo, me parece um desdobramento coerente toda esta movimentação e aproximação do rap com o funk. Essa outra questão que vc aponta, do SP e RJ serem sempre consideradas como a cara do País, eu acho que vc tem razão... Apesar de não achar que a arte deva atender a uma cartilha ideológica qualquer, acho que faltou mesmo a presença feminina no clipe "País do Futebol" (poderia, realmente, ser uma representação mais ampla do país), agora em "Guetto" eu não senti a mesma falta... acho que a presença feminina está bem representada durante o restante do disco e cobrar algo nesse sentido é querer escutar consolidada nossas próprias opiniões e ansiedades mais do que compreender o caminho e objetivos do(s) autor(es)... Mas eu sabia que o tema era espinhoso, e respeito sua opinião. Abraço!

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  2. Ta ai professor o que o EMICIDA canta na cara dos "caras"...
    primeira parte

    Chegou a hora dessa gente bronzeada cobrar seu valor
    Firmeza total e eu quero ver o morro descer sem ser Carnaval
    Ginga de le-lek no click-clack, pau!
    Outros fogos de artífico, meu ofício é alterar o final
    Entender o início, do sul ao cerrado é punho cerrado
    O canto inspirado, ok, contra o errado
    Marrom no microfone é treta
    És magia que encanta, tecnologia preta...

    segunda parte
    Bela, como nunca se viu
    E o sonho é a força da Copa no foco de mudar o Brasil
    1, 10, 100, 1000, nóiz
    Pra lembrar que o povo daqui tem cor e voz
    E amor, após, sem maldade
    Que essa beleza domine a cidade
    A real liberdade, ela
    E de coração, muito obrigado, Mandela

    A Aula foi Muito Boa Prof: "JÃO"...rsrsrs com todo respeito!!!!

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    1. E aí Luiz! Blz?! Adorei a aula ontem tb! Valeu ter achado a colocado a letra aí! Até sábado! Abração!

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