segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Juçara Marçal – o grito da geração que a crítica quis abortar

João de Carvalho


Juçara Marçal lançou seu primeiro disco solo, o “Encarnado, no início da semana passada. Desde então é o disco que estou escutando no mp3. Resumindo, é um disco tão lindo, ousado e bem feito que naturalmente somos convocados para escutar de novo. A produção é independente (ela mesma bancou a gravação) e está disponível para download gratuito no site: Juçara Marçal

O entrosamento de Rodrigo Campos e Kiko Dinucci – que tocam também no Passo Torto, com Romulo Froes e Marcelo Cabral – chegou ao seu estado de maior sintonia. De cara, temos como primeira faixa do álbum a canção “Velho Amarelo”, do próprio Rodrigo. Reparem que o acompanhamento é feito somente por guitarra e cavaco distorcidos, onde a harmonia fica dividida em módulos de arpejos que, pra mim, remetem claramente às texturas circulares da kalimba africana – instrumento utilizado pela Juçara para se acompanhar em “Canção pra ninar Oxum”.


E uma das histórias que este disco conta é justamente essa. A de um caminho da música de raiz africana no Brasil. Isso, é claro, já vem dos trabalhos anteriores do Metá Metá. Vale lembrar que o refrão afro de “Mariô” do Criolo é do Dinucci, e os metais do Thiago França! Encarnado é o disco de uma cantora afro-brasileira, e de autores afro-brasileiros.


Em “Damião” podemos confirmar a força desta nova geração de cancionistas, o que o Romulo Froes apontou como a inventividade com o “timbre”, e que eu trato por “sonoridade”, para que assim escutemos também o elemento “textura” como protagonista deste “novo domínio” do cancionista. E, assim como Pixinguinha deve ser lembrado como um cancionista, não só por seus temas que ganharam letra, mas sobretudo por ser um baita orquestrador de seu tempo, ajudando a definir a sonoridade do regional brasileiro, o que seria fundamental para o samba... bem, assim caminha o Thiago França!


São muitos os momentos inspirados do álbum, mas o climax do disco é sem dúvida bem na metade do repertório, a 6ª faixa, “Ciranda do Aborto”, de autoria de Dinucci. Tanto em Odoya – faixa anterior – quanto na “Ciranda”, existem momentos de improvisação textural super ousados! Talvez, até onde minha memória pode resgatar, a canção brasileira nunca esteve tão próxima deste tipo de sonoridade. Mesmos as experiências do Caetano sempre tinham um certo tom de “teste”, e não de domínio das sonoridades dos músicos de vanguarda. Agora não, em Odoya e Ciranda do Aborto, Juçara e o trio de meninos (chega a rabeca do Thomas Rohrer) conseguem criar uma atmosfera interessantíssima para as canções.


Cada uma das doze composições merece uma escuta atenta. Mas, como o tema central do dico – como bem pontua Romulo Froes aqui – é a morte, não podemos deixar de mencionar a genial regravação de “A Velha da Capa Preta”, composição de Siba. O arranjo que o Kiko e o Rodrigo elaboraram é uma puta aula sobre “acompanhamento” de canção. Nem preciso dizer, escutem só como o texto e a ironia do Siba brilham dentro deste arranjo:



“Encarnado” deixa claro que a geração que a crítica cultural do país quis taxar como morta, está mais viva do que nunca. Pra quem ainda não baixou o disco, tá esperando o que? E para os que já estão encantados, esperamos agora, aqui em Londrina, poder conferir este show de perto!

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