domingo, 17 de abril de 2016

Levamos um golpe, mas berimbau não se cala...

João de Carvalho

Como já estava previsto em nossos sonhos terríveis, chutaram a democracia. Num golpe sujo, passaram o pé. Caímos todos junto com a Dilma. Quem se alegra com isso possui hipocrisia plantada na alma, pois aciona um super filtro da realidade, mantendo-se em uma cegueira abSurda, capaz de ignorar o que significa Cunha conduzindo esse processo e Temer na presidência da república. E o golpe foi sujo, sim, pois como sempre esses senhores de engenho nos cercaram com um poderio bélico arrasador (todo o arsenal midiático da TV e revistas, em especial os das organizações Globo, fiel parceira de golpes, é páreo duro para a desconstrução diária), e caímos com a Dilma. Acabaram com a roda que insuflávamos de axé, chamada democracia. Avacalharam com o jogo. Mas abra a janela, escute, as panelas estão quietas, porém berimbau ainda soa... baixinho agora, na sabedoria do recolhimento das matas... e lá dentro, na capoeira do mato, berimbau se lembra, inclusive, dos mortos de Eldorado dos Carajás.

Estava na correria tentando preparar um post sobre a canção pela democracia, mas o tempo passou e só consigo parar para escrever agora. Era pra ser um post de resistência, em especial, aos temores que se consolidaram no dia de ontem. Mas o dia de ontem foi o dia de ontem, e logo mais o sol vai raiar, independente de nós. E nisso tudo, a consciência que essa canção traz é ainda mais importante no dia de hoje, essa segunda feira esquisita, de recomeço de trabalhos.

    
Chico César, que está cada vez mais participativo no que se refere à canção utilizada como forma de esclarecimento político, aglutina um coletivo de mais 19 cancionistas (Ava Rocha, Edgar Scandurra, Jovem Cerebral, Alice Caymmi, Rico Dalasam, Drik Barbosa, ( + MC Sofia no vídeo), Evandro Fioti, Liga do Funk, Cacá Machado, Taciana Barros, Max BO, João Donato, Pequeno Cidadão, Coruja BCI, Guisado, Luís Felipe Gama, Ana Tréa, Lucas Santtana, Arrigo Barnabé). Cancionista entendido aqui como todos que integram o ciclo de significado da canção, em suas múltiplas formas - do rap ao funk. Assim compreendo como cancionista figuras e funções tão díspares quanto à de João Donato, que é pianista/compositor, quanto um dançarino da Liga do Funk. Como disse Rodolfo Caesar (grande compositor de música "eletroacústica"), quando vemos o nível estético dos que querem o fim do PT temos o argumento mais contundente de que lado ficar; com certeza do outro lado. Já os indivíduos que compõe este vídeo/canção são figuras que possuem esse "crédito estético", ao lado deles ficamos de boas com o "diga-me com quem andas que te direi quem és" - mesmo pq o Brasil que o Sérgio Reis diz conhecer é só o das grandes fazendas e dos hotéis luxuosos; favela, duvido! 




O Chico César já havia marcado presença com sua brilhante participação na Câmara do Deputados, dando de dedo com o texto gigante do Carlos Rennó nos Reis do Agronegócio. Nessa nova canção, Chico utiliza como base o ritmo do funk. Nesse dado temos algo muito maior do que uma apropriação com princípios de "realismo socialista", onda existe uma simplificação para comunicação com as massas. O ritmo do funk aparece pois evoca uma energia física necessária para este momento, de arrocho e luta. Além de ser um ritmo marginalizado, discriminado mesmo, acusado de pouco musical. Pior que o rap. Só que não, é no funk que encontramos a maior potência de resistência.

Eu já havia alertado em um post do ano passado, por conta do massacre contra os professores do Paraná, que enquanto as pessoas continuassem cantando Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, com andamentos ainda mais lentos e arrastados que as gravações do Vandré, elas iriam continuar levando porrada e bomba sem saber pra onde correr. É uma questão de estado corporal que a música te coloca. E o funk tem uma configuração rítmica que mexe de maneira muito forte com o corpo das pessoas. É uma força de batuque negro, não uma valsa em tom menor. E como articulação entre festa e resistência - novamente, tecnologia negra - o funk marcou presença no dia de ontem. O Furacão 2000 fez os morros cariocas descerem pra praia e dançarem pela democracia. 


Mas ainda assim tiraram a Dilma, e agora cabe compreendermos que a luta não acabou. É deprimente pensar que figuras como Jair Bolsonaro, capaz de dedicar seu voto ao torturador da Dilma, estarão cada dia mais fortes dentro do país. Regressos estão chegando à galope, precisamos nos conscientizar que a luta de classes existe (sempre existiu) e que agora ela está cada vez mais intrincada, uma vez que o sistema capitalista como um todo, em escala global, está ruindo vertiginosamente. 

Golpe Não
(Chico César/ Coruja BC1 /Luis Felipe Gama/ Rico Dalasam /Vanessa/ Drik Barbosa /Luis Gabriel)

O sistema é bruto, o processo é lento
nosso sentimento, não vai recuar
amor, liberdade, verdade, alimento
não tinha e agora querem golpear

as velhas raposas querem o galinheiro
roubaram dinheiro mas fingem que não
querem que o petróleo seja do estrangeiro
pra esconder ligeiro sua corrupção

refrão:
não não golpe não
quem não teve voto tem de respeitar
não não golpe não
nossa voz na rua vem para lutar

tentam nos cegar nas telas e nas bancas
com papo de patrão não vi a gente lá
meu povo precisa ter a voz ativa
golpe é fogo na favela
não vou apoiar

mulher no front aqui tem voz de monte
e menos que isso não vou acatar
avisa o gueto avisa o gueto
desperta que é golpe
ninguém vai impedir o meu jeito de amar

(refrão)

eu não abro mão do que sonhamos juntos
de todas as cores que eu quero usar
de todas as formas de ganhar amores
de todos amores que eu quero dar

se eu uso vermelho ou vou de amarelo
não tô num duelo, quero conversar
mano, mina, mona todo mundo é belo
nesse arco-íris todos têm lugar

(refrão)

golpe é ditadura, digo nunca mais
a vontade das urnas prevalecerá
pois quem distorce os fatos em telejornais
quer inflamar o ódio pro gueto sangrar

o machismo mata, a imprensa mente
mas a internet é nosso canal
somos a guerrilha na nova trincheira
a nação guerreira do bem contra o mal

(refrão)

a democracia é nossa bandeira
golpe é uma história que já sei de cor
todos nós queremos um país mais justo
todos nós queremos um país melhor

não queremos menos do que já tivemos
nós queremos muito, muito, muito mais
toda liberdade, amor, paz, respeito
e ninguém por isso vai andar pra trás

(refrão duas vezes)



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