sexta-feira, 30 de junho de 2017

Deuzis num Solstício de Verão: Londrina num inverno

João de Carvalho

UZI é um dos principais grupos de RAP de Londrina, e atualmente é formado pela dupla de poetasbeatmakers Thales e Makalé. Dia 21 de junho, sincronizado com o solstício de inverno, a dupla lançou seu terceiro disco: Deuzis (Solstício de Verão, Vol.1). Um disco foda, que merece ser escutado com atenção, e que segue no caminho de amadurecimento do RAP londrinense.  



Sempre digo aos alunos que "cancionista esperto não compõe canção, compõe repertório". 
Enredar canções. Jornadas de projeções nos personagens durante os textos. 
São muitos os exemplos, 
dos shows do Caetano Veloso aos discos clássicos de RAP, 
a questão é que a conexão entre as canções 
vai potencializando a capacidade de concentração e imersão 
nos mais diversos universos poéticos.

Duas canções do disco já haviam sido lançadas, Tato e Testamento. A conexão entre elas, que na forma de RAP é sutil (faixas 3 e 8 do álbum), na forma de videoclipes fica explícita. 
Se ainda não conhecem, comecem por aqui então:







Quando o Criolo lançou o lyricvideo do "Duas de Cinco", eu pensei mesmo que essa forma pra canção era uma ideia fantástica. Vídeo de texto pro RAP é uma forma de produção mais barata (comparada à interação da canção com o clipe) e que potencializam ainda mais as escutas (texto de rap sempre tem muuuuita informação). Enfim, de lá pra cá eis que a forma tem se popularizado cada vez mais. Ó só, o Síntese lançou um disco abençoado, inteiro com lyricvídeo. O RZO lançou esse vídeo de texto aqui tb. E o Haikkais chuegou chutando o balde da ostentação e mostraram todo seu poder bélico (de rimas e meio$ de produção cultural) com um projeto monstro pra cada uma das faixas de seu último álbum

O Thales e o Makalé presentearam Londrina com o primeiro disco pé vermelho lançado inteiramente com lyricvideo e no youtube. Isso não é pouca coisa, pra quem faz parte da cena local e percebe que, com nossos irmãozinhos entrando no game, todo o coletivo é quem ganha. Escutem aí:




Foda, né!? 
Vou colocar aqui o texto de apresentação onde os caras falam sobre o disco:

"É com muito orgulho e alegria que compartilhamos com vocês a primeira parte do disco Deuzis - Solstício de verão. 

Esse projeto foi iniciado ha muitos anos atras enquanto éramos em 4 integrantes. Com a saída de 2 deles e um processo de amadurecimento musical, técnico e espiritual, demos continuidade ao projeto, colocando uma nova identidade com a nova formação. 
"Deuzis" é a concepção que temos como indivíduos espirituais em evolução, convivendo com as adversidades da vida.
A escolha do nome e da data tem um significado místico, tratando da dualidade.
Hoje, no hemisfério sul, no dia em que sol incide no ponto mais inclinado da terra, apresentamos pra vocês o resultado desse trabalho. Esperamos que gostem! Não esqueçam de compartilhar com os amigos.
Nos vemos em Dezembro!"


Gosto muito de como o disco se inicia, com "Reino". Uma ótima canção de abertura, que apresenta as intenções e perspectivas gerais da dupla. O Thales inicia e de cara aborda uma das questões centrais do disco, e do contexto que nos cerca: a ostentação: pra além das ilusões do ego, um marcador de caminho: "Eu fui vilão pela máquina de fazer frustração, e hoje máquina de fazer dinheiro/ liga lá no ministério da fazenda/ e descobre o mistério da minha renda". A reflexão prossegue, e desemboca no refrão "eu tô pro hip-hop como o hop tá pro hip, como o rock tá pro hippie e eu dô meu sangue". Aí, quando o Makalé começa, a viagem ganha um tom fantástico e existencial. Um relato de abdução. É o mesmo símbolo que aparece na canção seguinte, "Alquimista", que consiste no lance de observar as coisas de um lugar mais elevado ("Eu subi no monte Sinai..."). 



Depois de dois sons novos, aparece a canção Tato, que já era conhecida do público (mais de 49.000 visualizações no youtube). Não vou ficar aqui dizendo tudo que eu curti no disco pois acho que não compensa, o lance é vc dar o play várias vezes e topar as reflexões. Mas antes de abandonar este texto, acho que compensa deixar registrado que o trecho que eu mais curti foram as faixas 4 e 5: "Cela Fria" e "Recepção". Na primeira temos uma crônica diretamente da guerra urbana. E, se acaso o ouvinte se espante com tão elevado nível de violência, a faixa seguinte vem pra pontuar a inegabilidade da guerra que vivemos. Em "Recepção" temos registrado a chacina ocorrida em janeiro do ano passado, aqui em Londrina. A montagem do som do UZI se utiliza do mesmo recurso de "A Praça", do último disco dos Racionais MC's, em que Edi Rock narra a violência policial durante um show do grupo. Mas lírica do grupo londrinense não é uma cópia. A relação dos versos com os áudios de reportagens sobre a chacina em Londrina não é direta. O que temos são contundentes pontos de vista de personagens que vivenciam a referida guerra urbana. 


Mas aqui a arma é o RAP, 
e os meninos estão com várias no pente, 
mira precisa e dedo ligeiro.








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